segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Crueldade = Junta de Freguesia de Nogueira da Regedoura Carta d´um Pai =Parte I

Carta de um velho Pai amargurado em Nogueira da Regedoura
Meu filho António Carlos estava no consultório com sua bata abotoada e cintada e com essa bata assim cintada foi levado pela Policia de Vigilância para a Casa de Saúde de Espinho, onde entrou morto, e com essa bata, e nesse estado, foi encontrada pelo juis delegado e escrivão no cemitério de Espinho - para autópsia.
     Assim, autopsiado voltou a casa.
     Eu não pude ir receber-lhe o cadáver: ainda tenho um filho e uma filha.....
        No consultório,  dizia eu, se sentara o meu filho e começava a auscultar uma doente...da polícia, quando o sujeito (a) acompanhava, e deixara outros dois fora, empunhou numa das mãos uma pistola-metralhadora e crivou de balas o meu menino-uma através do tórax (só podia ser  desfechada sobre quem estivesse sentado) perfurando o baço; outras no ventre, outra ou outras numa perna. Meu filho, sem poder defender-se, conseguiu ainda sair do consultório mas caiu a poucos passos. Minha filha acorreu-forte na sua crença religiosa, que nenhum dos dois irmãos nem eu possuíamos (,) e desprezando a morte, abeirou-se do irmão e disse-lhe: "agora, Carlos, apesar da tua descrença, pensa em Jesus". Ele respondeu-lhe sorrindo - "com aqueles olhos bons do Carlos, já a enevoar-se" - friza ela- "e disse ele: perdoa: eu vou morrer: este é um louco...
     Ela ainda se debruçou para o ferido com uma toalha molhada para humedecer os beiços, já brancos do irmão, quando a besta- fera entra a esfuriar. Ela, tão pequenina, coitadinha, ergueu-se deante do criaturo e disse-lhe"Calme-se snr., isso é um minuto". Mas de fora veio-lhe um tiro através do vidro da janela, passou-lhe rente mas não lhe acertou. Não a deixaram acompanhar o irmão moribundo.
Este não soube que estava nas mãos da polícia, digo,não sei de quem... Vejo quai todos os dias e ouço sem cerimónias este brado aos portugueses: "QQuem manda?" - e respondem 3 vezes um nome que não é o chefe do Estado. Mas será esse aquele a cujas mãos morreu meu filho? Crei que é mais uma besta-fera singular, uma fantasmática figura, concrecão de sombras abominável.
     Andam as autoridades administrativas e judiciais a preparar um processo! Não entro nisso; não vejo as chamadas bestas-feras subalternas: não são como os cães esfuriando contra as pedras. E não é um caso esporádico.
     Quem o escreveu:-
   » António Ferreira Soares, Pai , autor do romance Casa Abatida que dedicou à memória de seu filho Doutor Prata- Cuja morte narrou na carta acima transcrita ao Dr. Câmara Reis, então director da Revista «Seara Nova» Recebi em Nogueira da Regedoura, seu telegrama que muito agradeço - a V. Exa. e aos da "Seara". Mas, como em muitos telegramas e cartas, vejo que não foram entrevistos os factos, aliás pouco percebíveis nas poucas linhas toleradas pela Censura (Numa, pergunta-se-me "se foi uma rapaziada"!!!, vejo-me obrigado a dizer por alto, a 3 oou 4 amigos ou do meu Carlinhos, como se passou a abominável tragédia: faço-o com o custo que V. Exa. imagina num velho de 72 anos, coração cansadissimo de pulsar na dôr, sobretudo depois da anterior tragedia - a do meu filhinho Armando.

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